quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Eu nunca lhe prometi um jardim de rosas...

Um dos inúmeros livros que li esse semestre, está um romance psicanalítico, chamado Nunca lhe prometi um jardim de rosas, de Hanna Green. Uma experiência incrível, que me fez querer mais. Logo, fui em busca do filme baseado no livro e o encontrei no Youtube, colocarei o link abaixo. Segue a resenha que tive que fazer para a disciplina de Psicopatologia especial.


GREEN, H. Nunca lhe Prometi um Jardim de Rosas (4ª Ed). Coleção Romance e Psicanálise. Imago: Rio de Janeiro, 1993.

            O livro de Hanna Green, escrito em 1964, conta a história de Deborah Blau, uma jovem de dezesseis anos, que vem passando por um longo processo de sofrimento mental. A autora procura, de forma magistral, fazer com seus leitores entendam o que se passa na cabeça de Deborah, tratando a questão da doença mental, de forma alinhada e sem clichês, falando sobre a vida, a patologia e os sintomas psicóticos da garota. Além disso, trás a visão dos familiares. Somos convidados a percorrer junto com Deborah todo o processo em busca de um amadurecimento para enfrentar seu sofrimento, acompanhando suas narrativas psicóticas e experienciando os mundos conflitantes dela.  

Tudo se inicia, quando os pais de Deborah a estão levando para um hospital psiquiátrico. No caminho, param para dormir em um hotel. Deborah ficou em um quarto e seus pais em outro ao lado. A garota dormiu, emergiu em seu mundo próprio, lugar onde não havia nenhum sofrimento para suportar, nem passado, nem futuro, dormiu profundamente, sem sonhar, descansando. No dia seguinte, o caminho ao hospital continuou, e Deborah estava bem diante a segurança que o “seu mundo” lhe passou na noite anterior: “ (...) para Deborah a viagem poderia durar eternamente, que a liberdade serena e maravilhosa que sentia podia ser um novo presente dos deuses e habitantes de Yr, normalmente muito exigentes”. O pai de Deborah não parecia estar totalmente seguro em deixa-la, mas a mãe o lembra de que haviam pensado e discutido muito sobre o assunto e que certamente lá descobririam algo na filha. Sobretudo, porque havia tentado suicídio. O pai chega a dizer: “Que coisa dolorosa ter que se amputar de uma filha”. Muito triste, pois realmente deve ser muito difícil para a família lidar com a doença mental de um de seus membros. A mãe teve uma postura relutante, talvez para encobrir toda a sua dor. Após deixa-la no hospital, os pais optaram por não contar a verdade sobre a internação para o resto da família, dizendo para uns que estava em uma escola para convalescentes e para outros que estava em uma clínica de repouso.

            Logo em sua entrevista de triagem com a Doutora Fried, Deborah tentou mostrar-se “normal” ao elaborar um discurso coerente, para não ser classificada como louca, conseguindo por alguns momentos, já que era muito inteligente. No entanto, acabando por dizer palavras desconexas, coisas que não existiam, como também um linguajar próprio e a fala sobre alguns personagens que habitavam o seu mundo interno, cada um com um papel designado, como o que zombava de seus sentimentos, o que lhe criticava, o que se interpunha entre as palavras e suas ações, entre outros, todos próprios de seu inconsciente.

            Deborah vive em dois mundos, um externo e outro interno. O exterior é aquele ao qual sua família faz parte, na qual ela não se sente efetivamente como parte integrante, cheio de relacionamentos estabelecidos com base em preconceitos, tanto no meio familiar, como escolar. Uma realidade vista como dolorida para Deborah, ao ter que viver com sua família, com seus medos e fantasmas. Em contrapartida, seu mundo interno, é aquele em que ela se refugia, habitado por seres místicos e cósmicos, onde pode se opor à realidade do mundo exterior, um mundo sentido por ela como sofrido, pesado, ao qual não deseja fazer parte, criando, portanto, o mundo interior, mundo Yr, que tem um lugar chamado quarto nível, um espaço de sombras onde não existiam as emoções, sentimentos, tempo. Esse novo mundo, essa realidade paralela criada por ela, não é o ideal, mas é aquele em que ela consegue se proteger do mundo cheio de preconceitos, que consegue se sentir parte integrante dele. Deborah precisa desse seu mundo para conseguir suportar as frustrações de sua vida.

Deborah sofre de esquizofrenia, caracterizada por distorções do pensamento e das percepções (alterações qualitativas e quantitativas da senso percepção) e por afeto inadequado, de uma vida afetiva que não é o padrão normal das relações, com afetos contraditórios. Há um desinvestimento libidinal em si próprio e consequentemente no mundo externo, nas pessoas.  Deborah tem alucinações visuais e auditivas

Estando em conflito entre os seus dois mundos, Deborah entra em um terceiro, o hospital psiquiátrico. Lá, Deborah passa a se encontrar semanalmente com a Dra. Fried, a qual passou a chamar de Furii, conseguindo aos poucos criar um vínculo satisfatório com a psiquiatra, contando sobre fatos de sua infância, seus delírios e seu mundo interno, Yr, em que ela mesma era a principal prisioneira, mas que ao contrário, ele a refugia e a defende da realidade dolorida, a qual ela não consegue enfrentar. Esse mundo tinha seu próprio calendário secreto e uma linguagem própria, chamada de Yri. Neste mundo paralelo de Deborah, habitam vozes que a alertavam sobre as maldades e mentiras do mundo real: “Você não pertence a eles... Não lute mais contra suas mentiras, você não é uma deles, você pode ser nosso pássaro livre no vento”. Doutota Fried identificou em Deborah um sentimento de saúde escondido e criando vínculo e confiança com a paciente para juntas fazerem o tratamento terapêutico.  O processo psicoanalítico se sustentou na comunicação para com o tempo conseguirem transitar entre esses mundos conflitantes, a experiência do mundo real com os sintomas da esquizofrenia. Deborah através de uma metáfora expressa a sua esquizofrenia dizendo que estar doente é como um vulcão. “Não é a linguagem, nem os próprios deuses – disse Furii – mas o poder de se manter longe do mundo, o qual é a causa e a doença ao mesmo tempo – concluiu Furii docemente e tratando de não desiludi-la ao romper seu reino, que ainda admirava tanto”.

Também relatou a sua experiência traumática, de aos cinco anos de idade se submeter a uma cirurgia para retirada de um tumor no aparelho urinário e que os médicos lhe faltaram com a verdade, dizendo-lhe que tudo não se passava de um mundo de fantasias. Algo que foi totalmente recriminado pela psiquiatra. Para Deborah, toda essa situação foi extremamente cheia de significações, sendo compreendida por ela como uma violência sexual, lhe passando a sensação de estar suja, sentindo nojo de si mesma.

Além disso, outro assunto recorrente em sua psicoterapia era a culpa que sentia por imaginar que, quando criança, tinha tentado jogar a irmã pela janela do quarto, quando esta era um bebê. No entanto, no decorrer da terapia, conseguiu descobrir que tal fato não se passava de fruto de sua imaginação diante a chegada da irmã, gerando nela o sentimento de ciúmes.  Portanto, a partir de então, passou a entrar em contato com acontecimentos de seu passado, imergindo em momentos dolorosos, de culpa e raiva.

É notório que muitos acontecimentos na vida de Deborah ficaram marcados fortemente em seu inconsciente, como quando conta para a Doutora Fried, de uma viagem que sua mãe fez e que a deixou com a babá, que era extremamente fria, além de sentir o frio dos lençóis e ver as grades de seu berço. Tal passagem de sua vida ficou tão marcada em sua mente, que sempre que contava o ocorrido para a psiquiatra, sentia o mesmo frio. Ou sempre, que tinha a sensação de abandono, de medo, o frio retornava.

Diante as sessões com a psiquiatra, Deborah estava se preparando para fazer uma escolha entre seus dois mundos, com a ajuda da doutora e do que ela chamava de Censor, um superego personificado, que chegou para fazê-la pensar na escolha entre esses dois mundos. No entanto, a doutora Fried, a orientava quanto a tentar entender e entrar em contato com o seu mundo externo, que seria um processo difícil, mas que somente assim poderia fazer uma escolha justa. Fez com que Deborah entrasse e sentisse as coisas do mundo pelo qual sentia tanto pavor e que não se sentia parte. De fato, foi um processo extremamente difícil e doloroso para Deborah, chegou várias vezes ao seu limite em cada um dos seus dois mundos, seus sentimentos eram tão exacerbados, que muitas vezes só os conseguia controlar através de autoagressões, com feridas e queimaduras. Mas a psiquiatra lhe incentiva dizendo que ela precisa estar aberta para ser ajudada, que somente assim, juntas, conseguiriam êxito. E que então, poderia eleger o mundo ao qual quisesse e sentisse necessidade, já que todas as possibilidades estariam sempre presentes. Fazer com que Deborah regressasse ao mundo era o intuito da psiquiatra, através de uma terapia intensiva, essa forma de regressar era através da verdade e da liberdade, somente dessa forma poderia resignificar a sua história infantil.

No decorrer da história o que parece é que Deborah foi piorando, mas, pelo contrário, foi se descobrindo, foi ressurgindo, começando a sentir. Para ela era muito difícil se desprender do mundo Yr, porque ele deu colorido e liberdade a algo que antes era cinza e desolado. Porém, aos poucos foi descobrindo aos poucos que existiam coisas boas no mundo real e que o mundo de Yr havia sido criado por ela, por sua imaginação. Durante sua internação, vemos a dor de seus pais, sendo impossível não pensar na dificuldade das famílias que acompanham a evolução e o agravamento dos sintomas de seus familiares.

Com o tempo Deborah começou a ter consciência de que o mundo Yr não era real, começou a desconstruir fantasias e a conhecer indícios de um novo surto, preocupando em pedir ajuda para si e para proteger os que a cercavam. Pedia que lhe colocassem no “casulo”, um método usado no hospital para conter as crises de surto dos pacientes, feito com lençóis úmidos e frios que eram enrolados fortemente em torno da pessoa, permanecendo assim até recuperar o sentido da realidade. 

Quando a doutora Fried entra de férias, Deborah começa a se queimar com cigarros, mostrando que talvez necessitasse lhe causar dor externa para conseguir entrar em contato com a sua dor interior. Refugiava-se em seu mundo Yr para suportar as frustrações, evitando assim sofrimentos, ou seja, não sentir passa a ser necessário para a sua sobrevivência. A dor que possa sentir é forte demais para ela para que possa experimentar conscientemente.

Importante lembrar que durante todo esse processo, Deborah foi experimentando sensações que até então desconhecia, como chorar pela dor de alguém, ao se colocar no lugar do seu pai, por exemplo, o sentimento de dor, ao tentar se queimar com o cigarro, sem estar em crise, a adolescente se deu conta de sua existência, como pertencente ao mundo real. Sua alegria foi imensa, ao sentir dor no mundo real, sentindo-se capaz até mesmo de estudar, trabalhar, ser alguém.

Chegou o momento em que disse adeus aos seus perseguidores, dizendo-lhes que queria ficar no mundo real. Após algum tempo, Deborah consegue permissão para ir ao colégio, fazendo do aprender uma arma contra sua doença. Logo, consegue seu diploma de segundo grau e garantir autonomia para muitas coisas que antes lhe pareciam impraticável. Deborah sabe que sua esquizofrenia não tem cura, mas pode ver avistar e vivenciar possibilidades de melhora. Passou a ver as coisas com um olhar mais colorido, deixando a cor cinza para trás.

Todo o trabalho intenso de terapia durou cerca de três anos, aos dezenove anos Deborah volta ao mundo real. Embora todo o trabalho terapêutico tenha sido feito, com a ajuda dos profissionais, dos familiares e da aparente recuperação de Deborah ao final do livro, é notório que em momentos de frustração, a garota recorrerá ao seu mundo interno, Yr, como um porto seguro, onde poderá se sentir segura e com maiores possibilidades de suportar tais desilusões, ou seja, seria fantasioso pensar em um pleno ajustamento à realidade.

Tenho uma história interessante com esse livro, já que minha supervisora do estágio de psicodiagnóstico já o havia indicado para o nosso grupo. Logo que disse o título já me interessei pela leitura, talvez por ser meio poético, mas também porque penso que nada na vida é como um jardim de rosas. A todo o momento de nossas vidas temos altos e baixos, momentos bons e momentos ruins. E foi exatamente isso que encontrei no livro de Green, todo o tratamento de Deborah, desde o início até o fim, com suas melhoras e recaídas, fazendo com que entendamos mais detalhadamente sobre a esquizofrenia, fazendo uma análise meticulosa da psicose por meio da psicoterapia, levando-nos a entrar nos mundos conflitantes da personagem. Foi uma leitura muito rica e desafiadora, por tratar da questão da esquizofrenia de forma aberta, sem clichês, com o foco de entender exatamente o que se passa na cabeça de Deborah e todo o processo de amadurecimento passado por ela em busca de um enfrentamento.  Algo que me chamou bastante atenção e que me surpreendeu, foi que o discurso literário e o discurso do tratamento psicanalítico da esquizofrenia andaram lado a lado.

É sabido por nós que na Idade Média era grande o poder da Igreja, atribuindo ao conceito de loucura as possessões demoníacas. De lá pra cá, o “louco” sempre foi estigmatizado, o diferente, o incompatível com a sociedade. Uma vez que a própria sociedade exige certos padrões de comportamentos e atitudes que nem todos conseguem dar conta, produzindo grande pressão sobre a subjetividade do indivíduo. O que, segundo psicólogos, o sujeito busca mecanismos de defesa para não se aniquilar, construindo, assim, outra realidade que lhe agrade e que não seja como a atual que lhe traz sofrimentos, que não o compreende. Deborah criou o seu próprio mundo, chamado por ela de Yr, o qual lhe protegia das frustrações do penoso mundo real.

Com a leitura desse livro, é possível a compreensão do que vem antes e se sobrepõe à patologia: o ser humano. Porque desde séculos atrás e até os dias de hoje é grande a dificuldade encontrada para tratar o doente mental enquanto ser humano, que também têm direitos, que também sentem. Importante compreender os seus medos, suas crenças, suas angústias e incertezas. Como disse Tânia Conciuffo diz em seu livro Encontro Marcado com a Loucura, devemos olhar o paciente a partir de sua vivência, de sua história, como um ser social, histórico e biológico. Também que a aceitação das diferenças, da subjetividade dos pacientes, é algo de extrema relevância para que além de ouvi-los, escutá-los efetivamente, compreendendo as forças de seus discursos. Não é porque Deborah apresenta sintomas psicóticos que ela deixa de ser humano. E ela é, assim como todos nós, humana, portanto, é importante que aprendamos a lidar com as diferenças e o mais importante, a tratar a todos como iguais. Portanto é necessário o exercício constante da escuta daqueles que estão em sofrimento psíquico e que urgem por ajuda. Não podemos nos esquecer que o paciente é alguém que possui uma história de vida e uma identidade.

Cociuffo afirma que as formas de conceber a loucura ainda hoje não chegaram a uma unanimidade, os confrontes persistem e, certamente, continuarão a persistir por muito tempo ainda. É preciso, segundo ela, profissionais preocupados em formar pessoas questionadoras, que não tenham conclusões permanentes acerca dos doentes mentais, mas que seus resultados sejam sempre redescobertos, e que se desprendam das imposições sociais para que possam de fato ter sempre um olhar humanizador para com o outro. “Estranho mistério, este das pessoas que se afogam no oceano caótico e terrível que era o mundo, e depois, pálidas e trêmulas ainda, se arrojam de novo sobre ele.”

Gosto muito de um trecho do filme “Uma mente brilhante” que diz o seguinte: “O pesadelo final da esquizofrenia, não é não saber o que é verdadeiro, imagine que de repente se desse conta de que as pessoas, os lugares, os momentos mais importantes para você não tivessem sumido ou morrido, mas pior, nunca tivessem existido. O inferno deve ser assim”. Temos a obrigação enquanto profissionais de Psicologia de entendê-los e procurar de maneira totalmente humanizada, ajudá-los.

Meu envolvimento com a leitura foi tanto que cheguei a sonhar com o mundo Yr de Deborah. Foi um sonho fantástico, porque eu percorria esse mundo interno dela, tudo se passava em ruínas antigas, como dos maias e astecas, muito interessante.

O que mais gostei na minha leitura, foi o vínculo que foi se estabelecendo entre Deborah e a doutora Fried. No decorrer dos seus encontros, foi se criado maior intimidade entre as duas e isso leva a garota a desorganizar e a questionar seu mundo interno, deixando que vá influenciando cada vez menos em sua vida real. E assim, aos poucos, graças ao trabalho da terapia, Deborah sentiu uma realidade diferente, como poder sentir a chuva sobre si, ou observar o pôr do sol.  

Interessante essa fronteira quase imperceptível entre dois mundos. Durante o processo terapêutico se apresenta o choque entre ambos os mundos, que lhe provocaram angústia e temor e a exigência da verdade diante a impotência e a mentira, diante tais sentimentos de Deborah, surge a grande expressão da doutora Fried: Nunca lhe prometi um jardim de rosas. O marco mais forte da minha leitura, porque desde o início queria saber o que essa frase queria dizer. E pude compreender que o propósito da doutora Friedd era oferecer um mínimo de segurança e não prometer um jardim de rosas, ou seja, não lhe oferecer falsas esperanças. Em uma passagem a psiquiatra lhe diz: “ Nunca lhe prometi uma justiça perfeita e nunca te prometi paz ou felicidade. Minha ajuda é para que possa ser livre, para que lute por todas essas coisas. A única realidade que te ofereço é que possa brigar pelos seus direitos, ser livre para aceitá-los ou não em qualquer nível que esteja capacitada. Nunca prometo mentiras e o mundo de jardim de rosas é uma mentira”. Perfeito! A mais pura verdade, a vida como um jardim de rosas não existe para ninguém. No caso de Deborah, a luta pela sanidade será sempre um eterno recomeçar. Não existe cura específica para o doente mental, mas é possível construir possibilidades de melhoras para suas vidas.

Outra parte da história de Deborah muito marcante é o momento em que ela presencia o enfermeiro bater em uma das internas, até que essa ficasse totalmente submissa. Deborah observou tudo, sem poder fazer nada, deixando evidente para si a sua impotência. Nenhum dos profissionais acreditou em sua versão de agressão, a não ser doutora Fried, que do mesmo modo, disse estar impotente, mas lhe prometeu colocar o assunto em uma reunião. E é precisamente nesse momento em que é usada pela primeira vez a frase que intitula o livro. Porque Deborah não se satisfez com a colocação da doutora, não poderia concordar com aquela agressão e com o fato de ninguém conseguir mudar tal situação.

O despreparo de alguns profissionais fica claro, não apenas no livro, mas é o que se percebe no dia a dia. Muitos dos profissionais que estão dentro de hospitais psiquiátricos, carregam um pavor mal disfarçado, outros usam a violência como única forma de conter e cuidar a loucura alheia. Outra cena marcante foi a reação de um dos enfermeiros ao esbofetear, até sangrar, uma das internas que estava contida nos lençóis frios e que estava relutante para que ele aferisse a sua pulsação. Marco de um total despreparo e desrespeito para com o ser humano. Portanto, a forma como vamos encarar a loucura, muito dependerá de como estaremos preparados para tal. Procurando ler o máximo de conteúdos teóricos, ter contato com filmes, mas principalmente o contato com os próprios pacientes, que sempre será um contato único. No entanto, sempre tendo em mente que tudo o que sabermos ainda será pouco, que sempre temos que buscar reorganizar nossas idéias e buscar sempre mais.

Mesmo as oficinas terapêuticas, que teriam que ter o intuito de desenvolver a criatividade, a expressão dos sentimentos, entre outros aspectos, em muitos casos o que se vê é um puro faz de conta, com o interesse único de mantê-los ocupados. Doutora Fried diz sobre isso: “(...) a força criativa é suficientemente vigorosa e profunda para germinar e florescer apesar da doença”.

Diante tudo isso, mais uma vez a expressão “nunca lhe prometi um jardim de rosas” faz todo o sentido, é uma mentira esperar um mundo idealizado e sem problemas. E estar nesse mundo real era absurdamente difícil para Deborah e isso era totalmente consciente. Representa uma luta constante entre a linha tênue entre a esquizofrenia e a realidade.

Depois da minha feliz experiência ao terminar de ler o livro, ficou um gostinho de quero mais. Então, logo procurei para saber se haviam feito algum filme inspirado nessa história. Para minha surpresa e alegria, sim. Além de encontrar outras criações artísticas, como a música intitulada I never promised you a rose Garden, escrita em 1970 e interpretada por Lynn Anderson. E o filme, de 1977, que enfatizou toda a leitura. Foi um ótimo complemento em minha opinião. Fiquei muito feliz por tê-lo encontrado.
Frieda Fromm-Reichman (doutora Fried) disse em um congresso “ficar bem não significa que depois sua vida será um jardim de rosas, (tem que) desfrutar seu jardim de rosas quando está em flor e tê-lo com calma em outros momentos”. Portanto, o ensinamento que fica é que não se pode apresentar o mundo como uma falsa promessa. Achei muito interessante e de se espelhar a técnica de Fromm-Reichmann que é a de se aplicar as técnicas psicoanaliticas ao tratamento da esquizofrenia. Afirmando que a psicoterapia é um processo interpessoal, que intervém o psicoterapeuta e o paciente, cada um com sua função, sendo a do terapeuta saber escutar, obter dados para a compreensão da doença mental. Ela incorporou as alucinações de Deborah ao tratamento, sugerindo, inclusive, a Deborah que lhes dissesse isso ou aquilo, ou que perguntasse o que eles pensavam diante algumas situações. Fried soube respeitar aquelas figuras místicas e ajudou Deborah a ver que haviam sido criadas por ela. E mais, a doutora a ajudou a entender que tem o poder de moldar a forma que esses seres poderiam ter. Ao final, Deborah chegou a formas benéficas tanto para ela como para a sociedade. No fim, somos todos um pouco como Deborah, criamos nossos mitos a partir de diferentes formas, e isso é muito importante para nossa identidade biológica e pessoal. E em algum momento da vida, nós já nos perguntamos certamente “o que é isso, será que estou louco?”, a diferença é que a maioria de nós consegue se libertar dessa aparente loucura.
E termino, com uma frase de Hannah Arendt: “La soledad no es la vida solitaria. La vida solitaria requiere estar solo, mientras que la soledad se revela más agudamente en compañia de los demás”.

“Nem sempre o sol brilha, também há dias em que a chuva cai”

 
Besos
Mariii
 
 

 

2 comentários:

ROCK N' ROLL disse...

Excelente texto, com palavras muito bem colocadas.

Patrícia Misrain disse...

Ótima resenha! Parabéns!

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