Um dos inúmeros livros que li esse semestre, está um romance psicanalítico, chamado Nunca lhe prometi um jardim de rosas, de Hanna Green. Uma experiência incrível, que me fez querer mais. Logo, fui em busca do filme baseado no livro e o encontrei no Youtube, colocarei o link abaixo. Segue a resenha que tive que fazer para a disciplina de Psicopatologia especial.
GREEN, H.
Nunca
lhe Prometi um Jardim de Rosas (4ª Ed). Coleção Romance e
Psicanálise. Imago: Rio de Janeiro, 1993.
O livro de Hanna Green, escrito em
1964, conta a história de Deborah Blau, uma jovem de dezesseis anos, que vem
passando por um longo processo de sofrimento mental. A autora procura, de forma
magistral, fazer com seus leitores entendam o que se passa na cabeça de
Deborah, tratando a questão da doença mental, de forma alinhada e sem clichês,
falando sobre a vida, a patologia e os sintomas psicóticos da garota. Além
disso, trás a visão dos familiares. Somos convidados a percorrer junto com
Deborah todo o processo em busca de um amadurecimento para enfrentar seu
sofrimento, acompanhando suas narrativas psicóticas e experienciando os mundos
conflitantes dela.
Tudo se inicia, quando
os pais de Deborah a estão levando para um hospital psiquiátrico. No caminho,
param para dormir em um hotel. Deborah ficou em um quarto e seus pais em outro
ao lado. A garota dormiu, emergiu em seu mundo próprio, lugar onde não havia
nenhum sofrimento para suportar, nem passado, nem futuro, dormiu profundamente,
sem sonhar, descansando. No dia seguinte, o caminho ao hospital continuou, e
Deborah estava bem diante a segurança que o “seu mundo” lhe passou na noite
anterior: “ (...) para Deborah a viagem poderia durar eternamente, que a
liberdade serena e maravilhosa que sentia podia ser um novo presente dos deuses
e habitantes de Yr, normalmente muito exigentes”. O pai de Deborah não parecia
estar totalmente seguro em deixa-la, mas a mãe o lembra de que haviam pensado e
discutido muito sobre o assunto e que certamente lá descobririam algo na filha.
Sobretudo, porque havia tentado suicídio. O pai chega a dizer: “Que coisa
dolorosa ter que se amputar de uma filha”. Muito triste, pois realmente deve
ser muito difícil para a família lidar com a doença mental de um de seus membros.
A mãe teve uma postura relutante, talvez para encobrir toda a sua dor. Após
deixa-la no hospital, os pais optaram por não contar a verdade sobre a
internação para o resto da família, dizendo para uns que estava em uma escola
para convalescentes e para outros que estava em uma clínica de repouso.
Logo em sua entrevista de triagem
com a Doutora Fried, Deborah tentou mostrar-se “normal” ao elaborar um discurso
coerente, para não ser classificada como louca, conseguindo por alguns
momentos, já que era muito inteligente. No entanto, acabando por dizer palavras
desconexas, coisas que não existiam, como também um linguajar próprio e a fala
sobre alguns personagens que habitavam o seu mundo interno, cada um com um
papel designado, como o que zombava de seus sentimentos, o que lhe criticava, o
que se interpunha entre as palavras e suas ações, entre outros, todos próprios
de seu inconsciente.
Deborah vive em dois mundos, um
externo e outro interno. O exterior é aquele ao qual sua família faz parte, na
qual ela não se sente efetivamente como parte integrante, cheio de
relacionamentos estabelecidos com base em preconceitos, tanto no meio familiar,
como escolar. Uma realidade vista como dolorida para Deborah, ao ter que viver
com sua família, com seus medos e fantasmas. Em contrapartida, seu mundo
interno, é aquele em que ela se refugia, habitado por seres místicos e
cósmicos, onde pode se opor à realidade do mundo exterior, um mundo sentido por
ela como sofrido, pesado, ao qual não deseja fazer parte, criando, portanto, o
mundo interior, mundo Yr, que tem um lugar chamado quarto nível, um espaço de
sombras onde não existiam as emoções, sentimentos, tempo. Esse novo mundo, essa
realidade paralela criada por ela, não é o ideal, mas é aquele em que ela
consegue se proteger do mundo cheio de preconceitos, que consegue se sentir
parte integrante dele. Deborah precisa desse seu mundo para conseguir suportar
as frustrações de sua vida.
Deborah
sofre de esquizofrenia, caracterizada por distorções do pensamento e das
percepções (alterações qualitativas e quantitativas da senso percepção) e por
afeto inadequado, de uma vida afetiva que não é o padrão normal das relações,
com afetos contraditórios. Há um desinvestimento libidinal em si próprio e
consequentemente no mundo externo, nas pessoas. Deborah tem alucinações visuais e auditivas
Estando
em conflito entre os seus dois mundos, Deborah entra em um terceiro, o hospital
psiquiátrico. Lá, Deborah passa a se encontrar semanalmente com a Dra. Fried, a
qual passou a chamar de Furii, conseguindo aos poucos criar um vínculo
satisfatório com a psiquiatra, contando sobre fatos de sua infância, seus delírios
e seu mundo interno, Yr, em que ela mesma era a principal prisioneira, mas que
ao contrário, ele a refugia e a defende da realidade dolorida, a qual ela não
consegue enfrentar. Esse mundo tinha seu próprio calendário secreto e uma
linguagem própria, chamada de Yri. Neste mundo paralelo de Deborah, habitam
vozes que a alertavam sobre as maldades e mentiras do mundo real: “Você não
pertence a eles... Não lute mais contra suas mentiras, você não é uma deles,
você pode ser nosso pássaro livre no vento”. Doutota Fried identificou em
Deborah um sentimento de saúde escondido e criando vínculo e confiança com a
paciente para juntas fazerem o tratamento terapêutico. O processo psicoanalítico se sustentou na
comunicação para com o tempo conseguirem transitar entre esses mundos
conflitantes, a experiência do mundo real com os sintomas da esquizofrenia. Deborah
através de uma metáfora expressa a sua esquizofrenia dizendo que estar doente é
como um vulcão. “Não é a linguagem, nem os próprios deuses – disse Furii – mas
o poder de se manter longe do mundo, o qual é a causa e a doença ao mesmo tempo
– concluiu Furii docemente e tratando de não desiludi-la ao romper seu reino,
que ainda admirava tanto”.
Também
relatou a sua experiência traumática, de aos cinco anos de idade se submeter a uma
cirurgia para retirada de um tumor no aparelho urinário e que os médicos lhe
faltaram com a verdade, dizendo-lhe que tudo não se passava de um mundo de
fantasias. Algo que foi totalmente recriminado pela psiquiatra. Para Deborah,
toda essa situação foi extremamente cheia de significações, sendo compreendida
por ela como uma violência sexual, lhe passando a sensação de estar suja,
sentindo nojo de si mesma.
Além disso, outro
assunto recorrente em sua psicoterapia era a culpa que sentia por imaginar que,
quando criança, tinha tentado jogar a irmã pela janela do quarto, quando esta
era um bebê. No entanto, no decorrer da terapia, conseguiu descobrir que tal
fato não se passava de fruto de sua imaginação diante a chegada da irmã,
gerando nela o sentimento de ciúmes. Portanto,
a partir de então, passou a entrar em contato com acontecimentos de seu
passado, imergindo em momentos dolorosos, de culpa e raiva.
É notório que muitos
acontecimentos na vida de Deborah ficaram marcados fortemente em seu
inconsciente, como quando conta para a Doutora Fried, de uma viagem que sua mãe
fez e que a deixou com a babá, que era extremamente fria, além de sentir o frio
dos lençóis e ver as grades de seu berço. Tal passagem de sua vida ficou tão
marcada em sua mente, que sempre que contava o ocorrido para a psiquiatra,
sentia o mesmo frio. Ou sempre, que tinha a sensação de abandono, de medo, o
frio retornava.
Diante as sessões com a
psiquiatra, Deborah estava se preparando para fazer uma escolha entre seus dois
mundos, com a ajuda da doutora e do que ela chamava de Censor, um superego
personificado, que chegou para fazê-la pensar na escolha entre esses dois
mundos. No entanto, a doutora Fried, a orientava quanto a tentar entender e
entrar em contato com o seu mundo externo, que seria um processo difícil, mas
que somente assim poderia fazer uma escolha justa. Fez com que Deborah entrasse
e sentisse as coisas do mundo pelo qual sentia tanto pavor e que não se sentia
parte. De fato, foi um processo extremamente difícil e doloroso para Deborah,
chegou várias vezes ao seu limite em cada um dos seus dois mundos, seus
sentimentos eram tão exacerbados, que muitas vezes só os conseguia controlar
através de autoagressões, com feridas e queimaduras. Mas a psiquiatra lhe
incentiva dizendo que ela precisa estar aberta para ser ajudada, que somente
assim, juntas, conseguiriam êxito. E que então, poderia eleger o mundo ao qual
quisesse e sentisse necessidade, já que todas as possibilidades estariam sempre
presentes. Fazer com que Deborah regressasse ao mundo era o intuito da
psiquiatra, através de uma terapia intensiva, essa forma de regressar era
através da verdade e da liberdade, somente dessa forma poderia resignificar a
sua história infantil.
No decorrer da história
o que parece é que Deborah foi piorando, mas, pelo contrário, foi se
descobrindo, foi ressurgindo, começando a sentir. Para ela era muito difícil se
desprender do mundo Yr, porque ele deu colorido e liberdade a algo que antes
era cinza e desolado. Porém, aos poucos foi descobrindo aos poucos que existiam
coisas boas no mundo real e que o mundo de Yr havia sido criado por ela, por
sua imaginação. Durante sua internação, vemos a dor de seus pais, sendo
impossível não pensar na dificuldade das famílias que acompanham a evolução e o
agravamento dos sintomas de seus familiares.
Com o tempo Deborah
começou a ter consciência de que o mundo Yr não era real, começou a
desconstruir fantasias e a conhecer indícios de um novo surto, preocupando em
pedir ajuda para si e para proteger os que a cercavam. Pedia que lhe colocassem
no “casulo”, um método usado no hospital para conter as crises de surto dos
pacientes, feito com lençóis úmidos e frios que eram enrolados fortemente em
torno da pessoa, permanecendo assim até recuperar o sentido da realidade.
Quando a doutora Fried
entra de férias, Deborah começa a se queimar com cigarros, mostrando que talvez
necessitasse lhe causar dor externa para conseguir entrar em contato com a sua
dor interior. Refugiava-se em seu mundo Yr para suportar as frustrações,
evitando assim sofrimentos, ou seja, não sentir passa a ser necessário para a
sua sobrevivência. A dor que possa sentir é forte demais para ela para que
possa experimentar conscientemente.
Importante lembrar que
durante todo esse processo, Deborah foi experimentando sensações que até então
desconhecia, como chorar pela dor de alguém, ao se colocar no lugar do seu pai,
por exemplo, o sentimento de dor, ao tentar se queimar com o cigarro, sem estar
em crise, a adolescente se deu conta de sua existência, como pertencente ao
mundo real. Sua alegria foi imensa, ao sentir dor no mundo real, sentindo-se capaz até
mesmo de estudar, trabalhar, ser alguém.
Chegou o momento em que disse
adeus aos seus perseguidores, dizendo-lhes que queria ficar no mundo real. Após
algum tempo, Deborah consegue permissão para ir ao colégio, fazendo do aprender
uma arma contra sua doença. Logo, consegue seu diploma de segundo grau e
garantir autonomia para muitas coisas que antes lhe pareciam impraticável.
Deborah sabe que sua esquizofrenia não tem cura, mas pode ver avistar e
vivenciar possibilidades de melhora. Passou a ver as coisas com um olhar mais
colorido, deixando a cor cinza para trás.
Todo o trabalho intenso de
terapia durou cerca de três anos, aos dezenove anos Deborah volta ao mundo
real. Embora todo o trabalho terapêutico tenha sido feito, com a ajuda dos
profissionais, dos familiares e da aparente recuperação de Deborah ao final do
livro, é notório que em momentos de frustração, a garota recorrerá ao seu mundo
interno, Yr, como um porto seguro, onde poderá se sentir segura e com maiores
possibilidades de suportar tais desilusões, ou seja, seria fantasioso pensar em
um pleno ajustamento à realidade.
Tenho uma história interessante
com esse livro, já que minha supervisora do estágio de psicodiagnóstico já o
havia indicado para o nosso grupo. Logo que disse o título já me interessei
pela leitura, talvez por ser meio poético, mas também porque penso que nada na
vida é como um jardim de rosas. A todo o momento de nossas vidas temos altos e
baixos, momentos bons e momentos ruins. E foi exatamente isso que encontrei no
livro de Green, todo o tratamento de Deborah, desde o início até o fim, com
suas melhoras e recaídas, fazendo com que entendamos mais detalhadamente sobre
a esquizofrenia, fazendo uma análise meticulosa da psicose por meio da
psicoterapia, levando-nos a entrar nos mundos conflitantes da personagem. Foi
uma leitura muito rica e desafiadora, por tratar da questão da esquizofrenia de
forma aberta, sem clichês, com o foco de entender exatamente o que se passa na
cabeça de Deborah e todo o processo de amadurecimento passado por ela em busca
de um enfrentamento. Algo que me chamou
bastante atenção e que me surpreendeu, foi que o discurso literário e o
discurso do tratamento psicanalítico da esquizofrenia andaram lado a lado.
É
sabido por nós que na Idade Média era grande o poder da Igreja, atribuindo ao
conceito de loucura as possessões demoníacas. De lá pra cá, o “louco” sempre
foi estigmatizado, o diferente, o incompatível com a sociedade. Uma vez que a
própria sociedade exige certos padrões de comportamentos e atitudes que nem
todos conseguem dar conta, produzindo grande pressão sobre a subjetividade do
indivíduo. O que, segundo psicólogos, o sujeito busca mecanismos de defesa para
não se aniquilar, construindo, assim, outra realidade que lhe agrade e que não
seja como a atual que lhe traz sofrimentos, que não o compreende. Deborah criou
o seu próprio mundo, chamado por ela de Yr, o qual lhe protegia das frustrações
do penoso mundo real.
Com
a leitura desse livro, é possível a compreensão do que vem antes e se sobrepõe
à patologia: o ser humano. Porque desde séculos atrás e até os dias de hoje é
grande a dificuldade encontrada para tratar o doente mental enquanto ser
humano, que também têm direitos, que também sentem. Importante compreender os
seus medos, suas crenças, suas angústias e incertezas. Como disse Tânia
Conciuffo diz em seu livro Encontro Marcado com a Loucura, devemos olhar o
paciente a partir de sua vivência, de sua história, como um ser social,
histórico e biológico. Também que a aceitação das diferenças, da subjetividade
dos pacientes, é algo de extrema relevância para que além de ouvi-los,
escutá-los efetivamente, compreendendo as forças de seus discursos. Não é
porque Deborah apresenta sintomas psicóticos que ela deixa de ser humano. E ela
é, assim como todos nós, humana, portanto, é importante que aprendamos a lidar
com as diferenças e o mais importante, a tratar a todos como iguais. Portanto é
necessário o exercício constante da escuta daqueles que estão em sofrimento
psíquico e que urgem por ajuda. Não podemos nos esquecer que o paciente é
alguém que possui uma história de vida e uma identidade.
Cociuffo
afirma que as formas de conceber a loucura ainda hoje não chegaram a uma
unanimidade, os confrontes persistem e, certamente, continuarão a persistir por
muito tempo ainda. É preciso, segundo ela, profissionais preocupados em formar
pessoas questionadoras, que não tenham conclusões permanentes acerca dos
doentes mentais, mas que seus resultados sejam sempre redescobertos, e que se desprendam
das imposições sociais para que possam de fato ter sempre um olhar humanizador
para com o outro. “Estranho mistério, este das pessoas que se afogam
no oceano caótico e terrível que era o mundo, e depois, pálidas e trêmulas
ainda, se arrojam de novo sobre ele.”
Gosto
muito de um trecho do filme “Uma mente brilhante” que diz o seguinte: “O
pesadelo final da esquizofrenia, não é não saber o que é verdadeiro, imagine
que de repente se desse conta de que as pessoas, os lugares, os momentos mais
importantes para você não tivessem sumido ou morrido, mas pior, nunca tivessem
existido. O inferno deve ser assim”. Temos a obrigação enquanto profissionais
de Psicologia de entendê-los e procurar de maneira totalmente humanizada,
ajudá-los.
Meu
envolvimento com a leitura foi tanto que cheguei a sonhar com o mundo Yr de
Deborah. Foi um sonho fantástico, porque eu percorria esse mundo interno dela, tudo
se passava em ruínas antigas, como dos maias e astecas, muito interessante.
O que mais
gostei na minha leitura, foi o vínculo que foi se estabelecendo entre Deborah e
a doutora Fried. No decorrer dos seus encontros, foi se criado maior intimidade
entre as duas e isso leva a garota a desorganizar e a questionar seu mundo
interno, deixando que vá influenciando cada vez menos em sua vida real. E
assim, aos poucos, graças ao trabalho da terapia, Deborah sentiu uma realidade
diferente, como poder sentir a chuva sobre si, ou observar o pôr do sol.
Interessante
essa fronteira quase imperceptível entre dois mundos. Durante o processo
terapêutico se apresenta o choque entre ambos os mundos, que lhe provocaram
angústia e temor e a exigência da verdade diante a impotência e a mentira,
diante tais sentimentos de Deborah, surge a grande expressão da doutora Fried:
Nunca lhe prometi um jardim de rosas. O marco mais forte da minha leitura,
porque desde o início queria saber o que essa frase queria dizer. E pude
compreender que o propósito da doutora Friedd era oferecer um mínimo de
segurança e não prometer um jardim de rosas, ou seja, não lhe oferecer falsas
esperanças. Em uma passagem a psiquiatra lhe diz: “ Nunca lhe prometi uma
justiça perfeita e nunca te prometi paz ou felicidade. Minha ajuda é para que
possa ser livre, para que lute por todas essas coisas. A única realidade que te
ofereço é que possa brigar pelos seus direitos, ser livre para aceitá-los ou
não em qualquer nível que esteja capacitada. Nunca prometo mentiras e o mundo
de jardim de rosas é uma mentira”. Perfeito! A mais pura verdade, a vida como
um jardim de rosas não existe para ninguém. No caso de Deborah, a luta pela
sanidade será sempre um eterno recomeçar. Não existe cura específica para o
doente mental, mas é possível construir possibilidades de melhoras para suas
vidas.
Outra
parte da história de Deborah muito marcante é o momento em que ela presencia o
enfermeiro bater em uma das internas, até que essa ficasse totalmente submissa.
Deborah observou tudo, sem poder fazer nada, deixando evidente para si a sua
impotência. Nenhum dos profissionais acreditou em sua versão de agressão, a não
ser doutora Fried, que do mesmo modo, disse estar impotente, mas lhe prometeu
colocar o assunto em uma reunião. E é precisamente nesse momento em que é usada
pela primeira vez a frase que intitula o livro. Porque Deborah não se satisfez
com a colocação da doutora, não poderia concordar com aquela agressão e com o
fato de ninguém conseguir mudar tal situação.
O despreparo de
alguns profissionais fica claro, não apenas no livro, mas é o que se percebe no
dia a dia. Muitos dos profissionais que estão dentro de hospitais
psiquiátricos, carregam um pavor mal disfarçado, outros usam a violência como
única forma de conter e cuidar a loucura alheia. Outra cena marcante foi a
reação de um dos enfermeiros ao esbofetear, até sangrar, uma das internas que
estava contida nos lençóis frios e que estava relutante para que ele aferisse a
sua pulsação. Marco de um total despreparo e desrespeito para com o ser humano.
Portanto, a forma como vamos encarar a loucura, muito dependerá de como
estaremos preparados para tal. Procurando ler o máximo de conteúdos teóricos,
ter contato com filmes, mas principalmente o contato com os próprios pacientes,
que sempre será um contato único. No entanto, sempre tendo em mente que tudo o
que sabermos ainda será pouco, que sempre temos que buscar reorganizar nossas
idéias e buscar sempre mais.
Mesmo as oficinas
terapêuticas, que teriam que ter o intuito de desenvolver a criatividade, a
expressão dos sentimentos, entre outros aspectos, em muitos casos o que se vê é
um puro faz de conta, com o interesse único de mantê-los ocupados. Doutora
Fried diz sobre isso: “(...) a força criativa é suficientemente vigorosa e
profunda para germinar e florescer apesar da doença”.
Diante tudo isso,
mais uma vez a expressão “nunca lhe prometi um jardim de rosas” faz todo o
sentido, é uma mentira esperar um mundo idealizado e sem problemas. E estar
nesse mundo real era absurdamente difícil para Deborah e isso era totalmente
consciente. Representa uma luta constante entre a linha tênue entre a
esquizofrenia e a realidade.
Depois da minha
feliz experiência ao terminar de ler o livro, ficou um gostinho de quero mais.
Então, logo procurei para saber se haviam feito algum filme inspirado nessa
história. Para minha surpresa e alegria, sim. Além de encontrar outras criações
artísticas, como a música intitulada I never promised you a rose Garden,
escrita em 1970 e interpretada por Lynn Anderson. E o filme, de 1977, que
enfatizou toda a leitura. Foi um ótimo complemento em minha opinião. Fiquei
muito feliz por tê-lo encontrado.
Frieda
Fromm-Reichman (doutora Fried) disse em um congresso “ficar bem não significa
que depois sua vida será um jardim de rosas, (tem que) desfrutar seu jardim de
rosas quando está em flor e tê-lo com calma em outros momentos”. Portanto, o
ensinamento que fica é que não se pode apresentar o mundo como uma falsa
promessa. Achei muito interessante e de se espelhar a técnica de Fromm-Reichmann
que é a de se aplicar as técnicas psicoanaliticas ao tratamento da
esquizofrenia. Afirmando que a psicoterapia é um processo interpessoal, que
intervém o psicoterapeuta e o paciente, cada um com sua função, sendo a do
terapeuta saber escutar, obter dados para a compreensão da doença mental. Ela
incorporou as alucinações de Deborah ao tratamento, sugerindo, inclusive, a
Deborah que lhes dissesse isso ou aquilo, ou que perguntasse o que eles
pensavam diante algumas situações. Fried soube respeitar aquelas figuras
místicas e ajudou Deborah a ver que haviam sido criadas por ela. E mais, a
doutora a ajudou a entender que tem o poder de moldar a forma que esses seres
poderiam ter. Ao final, Deborah chegou a formas benéficas tanto para ela como
para a sociedade. No fim, somos todos um pouco como Deborah, criamos nossos
mitos a partir de diferentes formas, e isso é muito importante para nossa
identidade biológica e pessoal. E em algum momento da vida, nós já nos
perguntamos certamente “o que é isso, será que estou louco?”, a diferença é que
a maioria de nós consegue se libertar dessa aparente loucura.
E termino, com uma
frase de Hannah Arendt: “La soledad no es la vida solitaria. La vida solitaria
requiere estar solo, mientras que la soledad se revela más agudamente en
compañia de los demás”.
“Nem sempre o sol brilha, também há
dias em que a chuva cai”
Link para o filme: https://www.youtube.com/watch?v=FXhwSm4RqU8
Besos
Mariii
2 comentários:
Excelente texto, com palavras muito bem colocadas.
Ótima resenha! Parabéns!
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